No Rio é fácil descobrir a cabeça, os braços, o tronco, as pernas e os pés. Difícil, no Rio, é descobrir o corpo.
O Rio Não é um rio. O Rio é uma irmandade de afluentes que desaguam no mar, muitos deles por interpostas lagoas. Afluentes que serpenteiam em contorno de morena roliça com morros redondos, cruzando-se aqui e intercruzando-se, às vezes, ali.
O Rio é um estranho abraço feito de desabraços. Aquele desabraço entre as favelas e o Leblon, entre este e o Centro e assim, continuamente, de desabraço em desabraço, de tal forma que até o próprio Cristo, em desespero, abriu os seus braços.
Mas o Rio continua lindo. No Rio até o feio tem beleza. Uma beleza de um feio que de feito se desfaz em vogais abertas, se ilude nas palavras vestidas com sorriso indolente e de frases em que não se descobre o ponto final.
O Rio é ruína. O Rio é instalação pós-moderna. O Rio é uma ruína garrida de um Portugal que em Portugal é já memória ténue. O Rio é o futuro que há-de ser.
Não há presente puro no Rio. O pretérito perfeito e o futuro, misturados com suco de manga e bio-combustível, reconfortado por uma feijoada comida em Santa Teresa, inventaram o verbo próprio de Rio: o presente condicional – é, pode ser que seja, podendo é.
O Rio é um jogo. Um jogo em que a terra e a água disputam um espaço confuso, difuso. Um jogo secular, que precedeu um intervalo de acalmia milenar, disputado num imenso Maracanã, redondo e pluri-esquinado, sob o sol e sob a lua.
O Rio é e não é branco, é e não é preto, é e não é amarelo. O Rio é um arco-íris, curvilínea solitária, arquitectada em contra-voltas de cores em camadas.
O Rio não tem forma, tem formas. São tantas e tantas as suas formas, que todas elas e mais as outras não referidas, fazem do Rio um imenso informal.
O Rio é a violência rude emoldurada em paz risonha e ingénua. "Já perdeu camarada".
O Rio é um bebé gorducho que balbucia passeado na calçada. O Rio é um velho decrépito, atolado em suor, amortalhado em tralha, pedalando um carrinho impossível.
O Rio é um condomínio aberto, tostado suavemente ao sol, recheado de condomínios fechados, forçados a tal quer para os ricos quer para os pobres, uns cá em baixo, junto à água azul-turqueza, e os outros lá em cima, encavalitados em tijolo, num equilíbrio de malabarista nas encostas cinza-escuro dos morros.
O Rio é uma cerveja leve ou será antes um um vinho novo que aguarda, sem paciência, em casco de pau-brasil milenário, fechado com tampa de castanheiro de lá de lá do mar.
O Rio é um sonho que não teve retorno. Um sonho que se reencontrou no jeitinho e não quis mais voltar.
E o Rio é assim e de tantas outras maneiras, samba é samba e a bossa é sempre nova, sem vergonha de o ser.
Tá e aí? Açaí e guaraná.