domingo, 20 de julho de 2008

...uma tela em frames...







Exibido ontem, bem dentro da noite, na RTP2, "Gritos e Sussuros" de Ingmar Bergman, é um filme extraordinário.

Pessoalmente não me lembro de ter visto um filme assim: não se sabe bem se é filme se é pintura, se Bergman é realizador ou pintor.

Quanto ao enredo:

“Um drama familiar acontece numa mansão do século XIX. Karin e Maria cuidam da sua irmã Agnes, terrivelmente doente com cancro, juntamente com a criada Anna. Através de flashbacks, as vidas das irmãs vão sendo apresentadas e descritas como sendo cheias de mentiras e enganos, orgulho, maldade, culpa e amor proibido. A doença terminal de Agnes apenas desperta a aversão das irmãs e só a criada Anna reconforta a pobre doente.
Agnes., Karin e Maria e… Anna. Quando o filme começa, Agnes geme de dor. Tem um cancro que o realizador Ingmar Bergman faz questão de enfatizar através dos gritos lancinantes e dos gemidos que Agnes sente. Neste momento o espectador está incomodado e solidarizado com a dor insuportável sentida por ela. E ninguém sabe o que fazer para acalmar esse estado de dor.De facto, Ingmar Bergman, cria talvez o seu filme mais emocional, através do estudo perturbante de uma família burguesa e disfuncional incapaz de lidar com o facto da morte e escondendo segredos e mentiras terríveis. Bergman descreve as duas irmãs Karin e Maria como seres monstruosos: Karin é fria, incapaz de ter um gesto de carinho e compreensão, insensível e neurótica. Através de flashbacks vemo-la a mutilar os seus órgãos genitais com um pedaço de vidro apenas para não ter relações sexuais com o marido (!). Maria é bela mas manipuladora, teve um caso com o médico de Agnes e sempre foi a preferida das três irmãs, pela mãe. Ambas sentem algum repúdio pela irmã doente e por elas próprias.Nenhuma das irmãs sente o verdadeiro amor pela irmã moribunda Agnes, que apenas sente conforto nos braços da criada de longos anos Anna. O filme tem muitas cenas de antologia, mas a cena em que Anna tira a roupa para Agnes se deitar nos seus seios e tentar de alguma forma acalmar a sua dor, é marcante e taxativa sobre a importância da criada no conforto e carinho que só ela proporcionava à doente Agnes.O filme praticamente não tem partitura sonora o que aumenta o realismo e cria um ambiente soturno de morte iminente. Só em determinados momentos se ouvem algumas composições musicais de Chopin. O constante uso da cor vermelha para além da óbvia associação com sangue, para além de ser a cor da visão da alma humana, para Ingmar Bergman.Cries and Whispers é um filme de difícil visualização, deprimente, perturbador e que mexe com os sentimentos do espectador. Por outro lado é uma obra-prima em todos os sentidos, um filme de imprescindível visualização do cineasta que melhor estudou as profundezas da alma humanaIngmar Bergman a descrever o filme: "Acredito que o filme consiste neste poema: Um ser humano morre, mas como num pesadelo fica preso a meio caminho e pede misericórdia, carinho, compreensão, algo… Dois outros seres humanos estão lá e as suas acções estão relacionadas com a morte, a não-morte, morte. A terceira pessoa salva-a por gentilmente a confortar, para que encontre a paz que tanto necessita, por embarcar com ela parte do caminho”

2 comentários:

mdsol disse...

Vi este filme era uma "menina"! Julgo que não muito depois do 25 de Abril de 74. Julgo ainda que o título não foi traduzido, na altura, da mesma maneira. Ao tempo tive a nítida sensação de não ter percebido muito do que o filme poderia dizer. Depois de ler o que escreveste, e apesar de não o ter revisto, recordei-o e em particular muitas cenas. Acho que é um elogio ao que escreveste!
:)

Unknown disse...

O Bergman tinha este fascínio...
Como a MdSol, também o vi muito jovem... [acho que foi no Cineclube, no Porto].
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Pintura, cinema... acho que o segredo está na direcção fotográfica, não sei...
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O que sei é que não lhes resisto! Parecem intemporais...
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[Beijo a relembrar...]