As ventoinhas, de pás longas e elegantes, rodopiavam numa circular desesperada a misturar ar quente com ar quente, na vã esperança que essa tonta deslocação fizesse o milagre do refrescar.
A sala sombria e funda, com as suas paredes brancas intercaladas com painéis de madeira escura, estava quase vazia. Das trinta mesas redondas, de pés robustos e tampo de mármore amarelado pelo tempo, só três ou quatro é que estavam ocupadas.
Encostado ao balcão, enfadado, o empregado segurava a bandeja metálica encostada à barriga, parecendo um discóbulo mumificado, a olhar o velho violoncelista que penosamente afagava a cordas, numa obrigação mecânica e saturada, cujo efeito era o de adensar com notas cavas o ar já de si carregado com o peso húmido daquele estio tropical.
E lá estava ele. Sentado na sua mesa de sempre, a última encostada à parede leste. Ele, a mesa, a cadeira de madeira castanha dourada, a garrafa transparente de rum da mesma não cor, mas que se teima em chamar branco, e o copo baixo de vidro grosso estriado, formavam uma composição estática, roubada ao fluir do tempo, testemunho de algo indefinido que já passou. Uma época, uma forma de vida – a dele e dos deles que já não estão -, que se extinguiu sem glória e sem semente.
E assim, ele, o velho dono da plantação que é hoje uma ruína e um vasto matagal, derrotado pelos fluxos do mercado, que transforma suor, lágrimas e vidas em números que a ele, velho, nada diziam e que não percebia porque é que o seu cacau, as suas bananas e o seu café, foram arrancados não pela catana renovadora das culturas, mas por uma filha da puta de uma flutuação de cotação.
E lá estava ele à espera de nada do nada que tinha, a embotar por querer a memória com o vapor do rum acre que lhe escorria a queimar a garganta, a esforçar-se por se sentir ele próprio um velho nada, porque sentir algo para além disso, provocava uma dor insuportável.
E lá estava ele. Sentado na sua mesa de sempre. Ele o fantasma do café colonial.
A sala sombria e funda, com as suas paredes brancas intercaladas com painéis de madeira escura, estava quase vazia. Das trinta mesas redondas, de pés robustos e tampo de mármore amarelado pelo tempo, só três ou quatro é que estavam ocupadas.
Encostado ao balcão, enfadado, o empregado segurava a bandeja metálica encostada à barriga, parecendo um discóbulo mumificado, a olhar o velho violoncelista que penosamente afagava a cordas, numa obrigação mecânica e saturada, cujo efeito era o de adensar com notas cavas o ar já de si carregado com o peso húmido daquele estio tropical.
E lá estava ele. Sentado na sua mesa de sempre, a última encostada à parede leste. Ele, a mesa, a cadeira de madeira castanha dourada, a garrafa transparente de rum da mesma não cor, mas que se teima em chamar branco, e o copo baixo de vidro grosso estriado, formavam uma composição estática, roubada ao fluir do tempo, testemunho de algo indefinido que já passou. Uma época, uma forma de vida – a dele e dos deles que já não estão -, que se extinguiu sem glória e sem semente.
E assim, ele, o velho dono da plantação que é hoje uma ruína e um vasto matagal, derrotado pelos fluxos do mercado, que transforma suor, lágrimas e vidas em números que a ele, velho, nada diziam e que não percebia porque é que o seu cacau, as suas bananas e o seu café, foram arrancados não pela catana renovadora das culturas, mas por uma filha da puta de uma flutuação de cotação.
E lá estava ele à espera de nada do nada que tinha, a embotar por querer a memória com o vapor do rum acre que lhe escorria a queimar a garganta, a esforçar-se por se sentir ele próprio um velho nada, porque sentir algo para além disso, provocava uma dor insuportável.
E lá estava ele. Sentado na sua mesa de sempre. Ele o fantasma do café colonial.
2 comentários:
:))
Que conto fantástico. Adorei.
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Tens uma coisa que eu aprecio, particularmente: a tua visão da vida é sempre estética.
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E, isso, nunca me pareceu um defeito, mas sim, uma das qualidades que encontro aqui [já que, nem sempre, consigo encontrá-la em mim...].
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[Beijo de agrado, sim...]
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