domingo, 13 de abril de 2008

...o que eu ainda não sei hoje, aqui em La Lys...




Estou sentado com as costas apoiadas na parede de lama deste buraco. Tenho as mãos apoiadas num charco fétido, quente, de vísceras e de sangue. Mal consigo respirar, o ar é uma nuvem nauseabunda e parda de enxofre. A minha perna esquerda está rasgada do início da coxa ao joelho, parecendo um cordon-bleu recheado a estilhaços de aço. Faço um esforço para olhar para os meus lados, tentando descortinar o que quer que seja para além desta cortina mortalha. Vejo vultos de corpos torcidos. Ouço um clamor difuso de gemidos, abafado de vez em quando por uivos de dor.



Ainda não o sei, mas amanhã serei amputado.



Ainda não sei, mas amanhã saberei que dos 15.000 que éramos, serei um dos 7.500 homens, entre mortos e feridos, que em apenas quatro horas de batalha, aqui tombaram. Ainda não o sei, mas amanhã saberei que hoje a minha vida de homem acabou, substituída por um longo penar feito de uma muleta, de um braço estendido, de uma memória perdida e de parcas esmolas sob as arcadas do Terreiro do Paço.



Há tanta coisa que eu ainda não sei, tantas aquelas que hoje, embora saiba, já não fazem qualquer sentido.

1 comentário:

Unknown disse...

Mais uma vez, um texto forte.

Estranho é ler "... ainda não o sei, mas amanhã saberei...", como se o soubesse, afinal.

Na guerra o sofrimento é tão dolorosamente previsível, não é?

Que sei eu da guerra?


[BEIJO]