As eleições autárquicas para a Câmara Municipal de Lisboa – e não vou perder-me na análise para os vários motivos que as ditaram – vão ser um acontecimento importante da nossa democracia, uma espécie de momento da verdade da capacidade de regeneração do próprio regime.
Já há muito tempo que estou convencido que o regime ou cria condições para a representação democrática diferente da emanada dos directórios partidários, abrindo-se a outras formas de participação directa dos cidadãos nos processos e nas instituições de decisão, ou o mesmo corre sérios riscos. A crescente abstenção, o descrédito corrosivo dos vários órgãos de soberania, o aumento de força de poderes ocultos que não estão constitucionalmente consagrados, o desânimo exponencial perante a inutilidade social da participação, o surgimento, aqui e ali, de tentações demagógico-populistas, são apenas alguns dos sintomas desse tremendo risco que o regime está a correr.
O que aconteceu em Lisboa foi um tremendo falhanço da chamada “partidocracia” e da prática sistemática dos erros que vão, transversalmente, caracterizando a visão exclusivamente partidária da polis.
Nas próximas eleições de Lisboa os cidadãos poderão escolher entre a chamada oferta tradicional dos partidos e duas candidaturas independentes – estas últimas com motivações e objectivos bem distintos.
Do ponto de vista da resposta não há nada de novo nas candidaturas partidárias e aliás os vários cabeça-de-lista até são bastante razoáveis: Telmo Correia, Fernando Negrão, António Costa, Ruben de Carvalho e Sá Fernandes, são pessoas competentes e responsáveis. O problema, é que as pessoas já perceberam há muito é que a lógica partidária, sobretudo os mecanismos dos aparelhos, retiram margem de manobra ao valor individual e intrínseco das pessoas. Por melhor que sejam os candidatos partidários, as pessoas sabem que há uma espécie de sub-sistema oculto apostado em inquinar as vontades, e que os equilíbrios internos necessários – leia-se, entre outras coisas, a gestão interna dos interesses da clientela e de vários outros interesses instalados – impedem as verdadeiras gestões de ruptura e de mudança, sobretudo num cenário – Câmara Municipal de Lisboa – em que a ruptura e a mudança são fundamentais.
Os partidos políticos continuam a ser essenciais à democracia mas por culpa própria deixaram de ser a sua essência.
Seria altura de os partidos políticos perceberem exactamente isso mesmo e serem parte activa no fomento e fortalecimento da emergência de outras formas de participação cívica. Se tivessem essa atitude estariam a afastar o espectro da agonia do regime democrático e criarem condições para a sua própria sobrevivência. Se os partidos políticos não metem entre mãos a salvação da Democracia, acabaram, mais dia menos dia de ver chegar a ditadura e com ela o seu próprio fim.
A emergência de movimentos independentes, por mais paradoxal que possa parecer, são a única hipótese para a sobrevivência a médio prazo dos partidos e portanto não faz qualquer sentido a arrogância institucional com que os partidos – da direita à esquerda – têm olhado esses mesmos movimentos.
As próximas eleições em Lisboa poderão representar a sedimentação de outras hipóteses de exercício de poder democrático e funcionarão como uma espécie de balão de ensaio para os movimentos cívicos independentes. Se estes conseguirem uma representatividade razoável – e nem precisam de ganhar as eleições – isso mudará o paradigma eleitoral autárquico em Portugal o que só poderá ser positivo, sobretudo quando todos sabemos que para as autarquias os cidadãos votam, sobretudo, em “pessoas concretas”.
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